Esse documentário foi baseado no livro de Vincent
Bugliosi intitulado "Reclaiming History"
(História Resgatada)
Bugliosi, 21 anos de pesquisa feita pelo homem que condenou Charles Mason,
autor de outro assassinato-espetáculo, o da atriz Sharon Tate
Por: Editora Abril - História - A verdade pesa
2,5 quilos
- "Um zero, um
nada... esse Oswald matou um gigante como Kennedy. Ele desgraçou Dallas e nosso
país"-
Repetia Jack Ruby antes de
matar Lee Oswald com um tiro na barriga quando ele saia da cadeia para depor,
dois dias depois do assassinato de JFK
Por Eurípedes Alcântara - O promotor
americano Vincent Bugliosi acaba de publicar a mais pesada prova, um livro de
2,5 quilos e 1 600 páginas, de que o presidente americano John Kennedy foi
morto em 1963, em Dallas, pelo tiro disparado por uma única pessoa, Lee Oswald.
Bugliosi demole cada uma das teorias conspiratórias segundo as quais Kennedy
foi morto ora pela Máfia, ora pela KGB, ou pela CIA, ora pelo seu
vice-presidente... ou por Fidel Castro, por supremacistas raciais, por
traficantes de droga franceses...
Ah... o assassino
pode também ter sido Larry Crafard. Larry quem? Ora bolas, o vigia noturno do
Carousel Club, a boate cujo dono era Jack Ruby, o homem que matou Lee Oswald.
Crafard é o candidato a assassino preferido do maior de todos os autores de
teorias conspiratórias, o promotor Jim Garrison, de Nova Orleans, vivido no
cinema pelo astro Kevin Costner em JFK, filme de Oliver Stone, exibido no
Brasil em 1991.
Qual a evidência contra Larry Crafard? Depois do assassinato de
Kennedy, o desempregado Crafard voltou de carona para sua cidade natal, no
estado de Michigan. Só isso? Só... Mas é desse material que são construídas as
teorias conspiratórias. A escassez de lógica, paradoxalmente, as torna bem mais
difíceis de ser dinamitadas por provas reais.
Além de fluidas,
incorpóreas, transmissíveis como o vírus da gripe no vagão do metrô, as teorias
sobre a morte de JFK têm um grande aliado, a natural, e em muitos casos
amplamente justificada, incredulidade das pessoas diante de versões oficiais.
Sete de cada dez americanos recusam a idéia de que Lee Oswald agiu sozinho no
dia 22 de Novembro de 1963, em Dallas.
Quatro em dez acham que o homem nunca
foi à Lua e que a Nasa inventou tudo. O número de americanos que acreditam em
anjos é maior que o daqueles que acreditam em antibióticos. Mas, como Vincent
Bugliosi mostra, não se pode colocar todo o peso da propagação das mentiras no
caso JFK sobre os ombros das pessoas que acreditam nelas. O livro de Bugliosi
tem o pomposo título de Reclaiming History, que pode ser traduzido para
História Resgatada.
Ele foi escrito não apenas para convencer o leitor de que
Lee Oswald agiu sozinho mas para provar que as teorias conspiratórias não
passam de idiotices produzidas por pessoas movidas pelas mais diversas razões.
Essa é uma abordagem bem mais proativa do que, por exemplo, a adotada por outro
formidável livro, Case Closed (Caso Encerrado), de Gerald Posner, que se limita
a demonstrar que o tiro que matou Kennedy foi dado por Lee Oswald. Bugliosi faz
um livro de combate.
Ele assume o tom usado pelos promotores nos tribunais do
júri. Quer e consegue incriminar Lee Oswald, que, pelas páginas de
"História Resgatada", finalmente enfrenta a justiça dos homens – uma
vez que Jack Ruby o colocou diante do tribunal divino dois dias depois do
crime. Bugliosi consegue também, e o faz com um prazer indisfarçável, destruir
as teorias conspiratórias que proliferaram depois da morte de Kennedy.
O promotor mostra
que aqueles que produzem essas histórias e as defendem são gênios, alguns muito
bem-intencionados, outros simplesmente profissionais da ilusão, embusteiros
disciplinados, dispostos a mentir por dinheiro e fama, como o cineasta de JFK,
Oliver Stone. Bugliosi entrevistou todas as pessoas que ajudaram Oliver Stone a
coletar "dados" para o filme.
Sem exceção, os pesquisadores relatam a
obsessão do cineasta em recolher apenas relatos de pessoas que "discordem
da versão oficial". O filme é o resultado dessa escolha. Em vez de ouvir,
por exemplo, os cirurgiões e intensivistas que atenderam o presidente Kennedy
no Parkland Hospital, de Dallas, onde ele chegou ainda com vida, Stone só
entrevistou Charles ("Chuck") Crenshaw, um médico residente que foi
até a sala de trauma número 1, onde Kennedy era atendido.
Ele chegou ali sem
ser convidado e o deixaram ficar apenas porque os especialistas estavam fora da
cidade participando de um congresso médico. Crenshaw ficou dez minutos ao lado
de Kennedy, ajudou a passar um cateter por algum vaso da perna do presidente na
tentativa de fazê-lo chegar ao coração e reanimar suas batidas. Em vão.
Crenshaw saiu da sala, do hospital e reapareceu anos depois com um livro
sensacionalista intitulado "A Conspiração do Silêncio".
Atrás apenas de
Oliver Stone, o alvo preferido do promotor Bugliosi é o inglês Nigel Turner,
produtor inglês de documentários autor de "Os Homens que Mataram Kennedy",
um filme exibido apenas na televisão na Inglaterra e nos Estados Unidos mas que
foi visto por cerca de 100 milhões de pessoas. "O filme é simplesmente um
desastre", diz Bugliosi.
Ele pode ser visto ainda hoje dividido em seis
capítulos no site do Google Vídeo. É mesmo um desastre. Depois de dar vazão a
todo tipo de teoria, o filme se concentra nos achados de um roteirista de
Hollywood que, trabalhando sozinho, diz ter desvendado o mistério da morte de
Kennedy. Seus assassinos, o filme não tem dúvida, foram contratados pela Máfia
americana e vieram todos de Marselha, na França.
A fonte do roteirista? Um
traficante de drogas preso mas que se diz inocente e se propõe a contar tudo o
que sabe sobre a morte de Kennedy em troca de sua liberdade. Bugliosi levanta
minuciosamente a vida de cada um dos acusados pelo misterioso traficante e
descobre que no dia do crime um estava, a serviço, a bordo de um navio militar
francês em alto-mar e os outros dois se encontravam presos, cumprindo pena em
presídios na França. Confrontado com esses fatos, o diretor Nigel Turner não
vacilou: - "São assassinos, você
sabe. Assassinos sempre têm álibis" - .
O bravo promotor
não se abate. Tem casca grossa e traquejo profissional para lidar com
embusteiros. Em um dia ruim, ele é melhor do que os Stones e Turners da vida em
seus melhores dias. Ele ataca as questões em todas as suas dimensões. Examina
os aspectos psicológicos, técnicos, jurídicos, as circunstâncias familiares e
sociais de cada uma das figuras vitais do livro.
O perfil de Lee Oswald é,
obviamente, o mais completo. Bugliosi revira todas as entranhas da vida do
assassino de John Kennedy – suas visitas à antiga União Soviética, a Cuba e a
seus amigos comunistas. Penetra nos labirintos psicológicos do assassino.
Descreve manias, trejeitos, obsessões, fraquezas e a decisão mais profunda de
"matar algum desses bastardos".
Na preparação para atirar em Kennedy, Oswald tentou, sete meses antes,
assassinar a tiros um general americano chamado Edwin Walker, mas falhou.
Bugliosi mostra que, ao contrário do que propagam os conspiracionistas, Oswald,
um ex-fuzileiro naval americano, tinha uma arma eficiente nas mãos e era
excelente atirador.
Os registros militares demonstram a consistência de
atirador de elite. A mulher de Oswald, Marina, conta que ele praticava tiro ao
alvo "todos os dias". Usava
sempre o mesmo fuzil, um Carcano, arma de longo alcance que era, então, adotada
oficialmente pelo Exército Italiano. Oswald comprou o fuzil por 12 dólares e
com ele matou John Kennedy. Diz Bugliosi: "Ele atirava tão bem com aquela
arma que minha convicção é que nem precisou usar a mira telescópica para
acertar a cabeça do presidente".
Demolidas as
teorias mais estapafúrdias, o promotor centra fogo nas duas mais controversas e
sérias questões: a chamada "bala mágica" e o fato de Oswald ter sido
assassinado à queima-roupa por Jack Ruby, eliminando assim a chance de o
suspeito ir a julgamento. A teoria da "bala mágica" é desmontada com
a precisão de um relojoeiro.
Ele não deixa dúvida. Os conspiracionistas estão
errados quando sustentam que seria impossível uma mesma bala entrar pelas
costas de Kennedy, sair pelo pescoço em um ponto acima do de entrada e depois
ter atravessado o peito do governador John Connally, que viajava na limusine no
banco logo na frente do presidente. Dali a bala seguiria em seu balé mágico até
o punho de Connally para depois ferir-lhe a perna esquerda e cair mansamente no
chão do carro.
A bala foi encontrada, após tantas peripécias, quase intacta, na
maca em que Connally foi levado para o hospital onde se recuperou dos ferimentos
sofridos. Bugliosi demonstra que a bala não fez curvas. Ela atravessou como uma
seta "carnes moles" no corpo de Kennedy e Connally, tendo encontrado
um obstáculo mais resistente apenas no punho do governador (veja o quadro). O
promotor mostra fotografias do projétil feitas em outros ângulos e que destroem
as insinuações de que ele foi encontrado intacto.
Vincent Bugliosi
chega então ao ponto mais perigoso de sua travessia, a explicação de que Jack
Ruby não matou Lee Oswald em uma operação de "queima de arquivo". O
promotor entra de sola com a força de convencimento lógico que o ajudou a
condenar antes 21 assassinos em Los Angeles.
O famoso jogador de futebol
americano O.J. Simpson, acusado de matar a ex-mulher e o amante dela, escapou
de ser processado por Bugliosi em 1995, mas não da condenação. No livro Outrage
(Indignação), o promotor refaz o trabalho que a acusação não fez no julgamento
real e com simplicidade demonstra como O.J. Simpson matou e se safou das garras
da lei.
A
bala mágica era um espinho na garganta a asfixiar as conclusões da Comissão
Warren, o grupo de notáveis que examinou o assassinato de Kennedy nos anos 60.
A comissão, que levou esse nome por ser chefiada pelo inatacável Earl Warren,
presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, concluiu pela culpa exclusiva
de Oswald. Segundo o Relatório Warren, Oswald agiu sozinho, tendo disparado
três tiros contra a limusine presidencial.
Um errou o alvo totalmente, o outro
produziu ferimentos leves em Kennedy e Connally e um terceiro estourou os
miolos do presidente. Bugliosi tirou esse espinho. Mas e o outro? Como explicar
que Ruby possa ter burlado a vigilância e matado o suspeito antes que ele
pudesse ser julgado e contar quais eram seus motivos, quem eram seus comparsas?
O promotor, calma e metodicamente, mostra que Ruby matou Oswald por
impulsividade, motivado pelo desejo de vingança e para satisfazer sua vontade
interior, imperiosa de "fazer alguma coisa boa pelos Estados Unidos e por
Dallas". Jack Ruby amava Kennedy como a um deus.
Nas horas que se seguiram
ao assassinato, Ruby chorava como uma criança e beijava constantemente uma foto
do presidente que trazia no bolso do terno. Ruby morreu de câncer, na cadeia,
condenado pela morte de Oswald. Os 2,5 quilos de verdade produzidos pelo severo
promotor de Los Angeles vão enterrar para sempre as teorias conspiratórias
sobre a morte de John Kennedy? Deveriam. Mas não vão. Nem Vincent Bugliosi
acredita nisso...
Quem Matou JFK? - Galeria de Imagens