Hu Qiongu Monge Shaolin de alto nível
Templo Shaolin Monastério existe desde 495
d.C.Por Folha de SP: JAIME SPITZCOVSKY, ENVIADO ESPECIAL A
DENGFENG
Fundado em 495, o
Templo Shaolin deixou de ser um refúgio para meditação e treinamento de monges
budistas quando, em 610, 13 de seus habitantes saíram em socorro do líder
militar chinês Li Shimin. Este lutava pelo trono e, oito anos depois, já
vitorioso, fundou a dinastia Tang (618-907).
O imperador Li Shimin
reconheceu a contribuição decisiva dos monges lutadores e patrocinou um dos
momentos de maior prosperidade para o Templo Shaolin.
Em 1553, os monges
cravaram outro feito heróico. Um grupo de 40 lutadores, liderado por Yue Kong,
desceu a montanha de Songshan, onde fica o templo, para impor uma impiedosa
derrota a invasores japoneses. Na dinastia Ming
(1368-1644), o Templo Shaolin chegou a abrigar cerca de mil monges e
discípulos.
Seus inimigos mais implacáveis, os comunistas, ainda estavam a uma
distância de séculos. A revolução comunista
de Mao Tse-tung triunfou em 1949 prometendo apagar heranças da China feudal e o
Templo Shaolin e seus monges apareciam como vestígios do passado imperial.
O templo não foi
fechado, mas enfrentou a tormenta do período mais ortodoxo do regime comunista.
Durante a Revolução Cultural (1966-76), Mao Tse-tung incentivou os
"guardas vermelhos" a cruzarem o país em busca de heranças da era
pré-revolucionária, a fim de destruí-las. "Vários prédios
do templo foram depredados", recorda Su Xi, 78, o monge mais velho de
Shaolin.
O apetite destruidor dos "guardas vermelhos" não se mostrou
suficiente para nocautear o berço do kung-fu, mas obrigou-o a entrar num período
de quase sonolência. Com as reformas
econômicas deslanchadas no final da década de 70, o Templo Shaolin entrou numa
nova era dourada.
Os monges lutadores não são tão numerosos como na dinastia
Ming, mas os cofres passam a contabilizar mais recursos do que nas últimas
décadas.
O Templo Shaolin e
seus monges lutadores, imagens do budismo na China celebrizadas em filmes de
artes marciais, mesclam agora os rigores da vida religiosa com dedicação a
exercícios de capitalismo. O berço do kung-fu chinês oferece cursos de defesa
pessoal, se transforma em atração turística e vende suvenires.
Embora pobre em estatísticas,
o Departamento de Turismo de Dengfeng, a região do templo, comemora a riqueza
de algumas cifras. Em 1994, a venda de ingressos para visitantes do Templo
Shaolin somou 1,4 milhão de yuans (US$ 167 mil) e a receita gerada pelo turismo
em Dengfeng cresce a uma taxa anual de 12%.
Em 1985, o templo
inaugurou um centro de treinamento com capacidade para 300 alunos. A duração do
curso varia de acordo com o interesse do cliente. Alunos chineses pagam
para os cofres do templo uma taxa anual de 1.000 yuans (US$ 120), enquanto
estrangeiros enfrentam uma lista de preços que pode atingir até 200 yuans por
dia, dependendo do número de horas e equipamentos usados.
A China, governada
pelo Partido Comunista desde 1949, testemunha neste final de século o contra-ataque
do capitalismo e de tradições que o comunismo buscou sufocar, em nome de sua
cruzada para combater "costumes feudais" e "superstições",
como foi classificado o budismo.
Golpeado pelo
fracasso na economia, o Partido Comunista começou a implementar a partir de
1978 reformas pró-capitalismo. A China experimenta o rápido crescimento
econômico e a introdução de conceitos antes rejeitados, como propriedade
privada e investimento estrangeiro.
Antigos dogmas
comunistas passaram a ser questionados e revistos. A confusão ideológica abriu
as portas para o retorno de antigas tradições, agora toleradas por um Partido
Comunista que continua a reinar com mão de ferro.
O monge Yong Yan, 40,
vive no templo há dez anos e entre a meditação e o treinamento de artes
marciais, se dedica a vender aos turistas um diploma de 100 yuans (US$ 12), os
"certificados da sorte", que serão usados para restauração de um
templo que comemorou em 1995 1,5 mil anos de idade.
Os 57 monges e seus
discípulos também se alternam na hora de sentar atrás do balcão de duas lojas
de suvenires instaladas dentro do templo. As prateleiras acomodam espadas,
lanças, livros sobre kung-fu, colares e pulseiras que, reza a crença budista,
trazem sorte.
Monges defendem o Livre Comércio:
Os lendários Monges Shaolin conseguem produzir efeitos fantásticos!
Os monges golpeiam
contra as críticas de que o comércio abala a imagem do templo. Para eles, a
receita gerada pelo turismo permite, por exemplo, restaurar partes do templo
antes condenadas à destruição pelo descaso das autoridades comunistas.
O Templo Shaolin
restaurou a Torre do Grande Sino, parcialmente destruída na década de 20, e
substituiu o antigo sino, de 2,5 t, por um novo, de 6,5 t. O monge Yong Yan
argumenta que os exercícios capitalistas não alteraram a rotina do templo. Seus
habitantes acordam às 4h para iniciar uma jornada marcada por rezas, meditação
e prática de artes marciais.
Com idades que variam
entre 18 e 78, os monges diferem quanto à carga horária dedicada a suas
atividades. Quanto mais jovem, mais tempo ao kung-fu e quanto mais velho, mais
horas à meditação e ao estudo de textos budistas. "Pratico
diariamente pelo menos três horas de kung-fu e exercícios físicos", conta
Yong Yan, que trocou a carreira militar por uma vida que exige abstinência
sexual e dieta vegetariana.
Os filmes que
exploram a imagem do templo não o incomodam. "Divulgam nossa imagem e, às
vezes, trazem recursos com o dinheiro pago para se filmar aqui". Mas ele
identifica o ponto fraco: "muitos filmes exageram ao mostrar nossas
habilidades.
Somos bons, mas também somos humanos". Xing Zhi, 24, conta
que decidiu mergulhar na vida religiosa depois de assistir em 1977 ao filme
"Templo Shaolin", um dos clássicos da cinematografia oriental.
Originário da província de Anhui (leste), Xing Zhi abandonou os pais,
camponeses, e seus cinco irmãos para se tornar um monge.